Projeto CLAC: um estudo sobre seus leitores

Danielle de Almeida Menezes
Milena Pereira Mendes

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Este artigo tem por objetivo relatar os resultados obtidos com uma pesquisa desenvolvida durante o segundo semestre de 2003. Na referida pesquisa, foi feito um levantamento empírico-estatístico acerca dos hábitos e preferências de leitura de alunos e monitores/ professores de LE (Língua Estrangeira) do projeto CLAC (Curso de Línguas Aberto à Comunidade) da UFRJ. Optou-se por realizar um estudo que focalizasse o comportamento dos grupos pesquisados enquanto leitores, uma vez que é reconhecido o papel fundamental da leitura na formação de um profissional da educação e no aprendizado de uma LE.

Palavras-chave: leitura, LE, formação profissional e aprendizado.


INTRODUÇÃO

        Dada a diversidade cultural e socioeconômica dos alunos e monitores do Projeto CLAC, considerou-se importante realizar um estudo que fornecesse informações sobre seu perfil. Entretanto, esse interesse não estava vinculado ao padrão de vida dos alunos, mas sim a seus hábitos educacionais.
        Deste modo, uma vez que o objetivo era investigar a forma como monitores e alunos do CLAC comportavam-se como estudantes de um modo geral1 , optou-se por realizar um estudo que focalizasse o comportamento dos grupos pesquisados enquanto leitores, uma vez que é reconhecido o papel fundamental da leitura na formação acadêmica dos monitores e no aprendizado de uma língua estrangeira.
        Sendo assim, neste trabalho, objetiva-se discutir os passos tomados para a realização de tal pesquisa e os resultados obtidos, que revelam o que esses participantes lêem e qual seu histórico de leitura. Sem esquecer que o estudo desenvolvido estava intimamente ligado às experiências vividas entre alunos e monitores do CLAC, buscou-se saber também se as atividades com texto em sala de aula contribuíam para a formação desses leitores.

TEORIA

        Como embasamento teórico, optou-se por utilizar alguns dos pressupostos apontados por Freire (1995), Kleiman (2002) e Grabe (2002). Segundo Paulo Freire (1995), a leitura está em tudo, ela é importante porque se aprende a estar no mundo através dela. Antes mesmo de ler a palavra escrita, lê-se o mundo em que se está inserido, as relações interpessoais, e constrói-se significado a partir do que se vivencia. A leitura escrita, deste modo, para o autor, deveria ser o ápice da satisfação, visto que ela amplia as possibilidades de se agir no mundo e interpretá-lo criticamente.
        Ao pensar a leitura como um processo natural, quase uma necessidade humana, pensa-se também, conseqüentemente, no papel do professor. Se a leitura é realmente um processo natural, importante para todas as áreas, cabe ao professor incentivar esse hábito nos alunos, motivando-os sempre. Neste ponto, Kleiman (2002) aponta para o fato de que não é possível que um professor estimule seu aluno a ler, tente despertar nele o prazer pela leitura, se ele mesmo não tem esse prazer. Para a autora, todo professor, em especial o de língua e o de leitura, precisa ser um leitor apaixonado. Entretanto, se incentivar um aluno a ler em sua língua já é, de alguma forma, complicado, a situação agrava-se quando há a necessidade de estimular a leitura em uma língua estrangeira.
        Assim, concorda-se com Grabe (2002) quando ele diz que é complicado estimular o aluno a ler em uma língua que não é a dele, pois, muitas vezes, o contexto do texto é diferente da realidade vivida pelo aluno e, logo, a falta de estímulo, aliada ao desconhecimento sistêmico, dificulta o interesse pelo texto trabalhado. Portanto, cabe ao professor ajudar o aluno a desenvolver estratégias de leitura eficientes e tentar trazer o texto para a realidade do aluno.
        Acredita-se que aproximar o texto da realidade vivenciada pelo aluno e ensinar estratégias textuais ajudem a estabelecer vínculos de afinidade entre o texto e o leitor, em qualquer língua. Atualmente, discute-se muito a importância da leitura e a crise da mesma em todas as faixas etárias e níveis sociais. Deste modo, por entender a comunidade CLAC como um aglomerado de variedades sociais, pode ser que, ao estudá-la, tenha-se um reflexo reduzido da realidade em que se vive. Além disso, uma vez que o projeto visa à democratização do ensino de línguas estrangeiras, pensa-se que a leitura em outro idioma é uma das formas mais eficazes de se alcançar esta democratização.

METODOLOGIA

        Optou-se por realizar um trabalho de base quantitativa, uma vez que esse tipo de pesquisa possibilita uma visão mais abrangente dos grupos investigados. Foram analisados 98 questionários, sendo 30 de monitores de diversos idiomas e 68 de alunos de inglês. O fato de apenas terem sido pesquisados alunos de inglês tem a ver com o idioma ministrado pelas pesquisadoras2 , que coletaram os dados em suas próprias turmas e em turmas de outros monitores de inglês que contribuíram para o estudo. Os dados foram submetidos à análise estatística, com o auxílio do programa SPSS para Windows.

RESULTADOS

        O gráfico 1 mostra a visão que os participantes têm das aulas de leitura do CLAC.

Gráfico 1: Aulas de Leitura do CLAC

        Percebe-se que os alunos parecem apreciar mais as aulas que os próprios monitores/ professores. A maior parte das instâncias de classificação das aulas como ruim e muito ruim são oriundas de monitores/professores.
        As quatro tabelas (tabela 1) mostram como os participantes responderam a outras perguntas do questionário.

Tabela 1: Outras questões

        Primeiramente, deve-se mencionar que não houve diferença significativa entre a opinião de alunos e monitores/professores no tocante a essas questões. Portanto, os dados apresentados referem-se a monitores/professores e alunos. Ambos, em sua maioria, costumam dedicar de 3 a 5 horas para leitura por prazer. Em compensação, a leitura por obrigação parece tomar mais tempo desses participantes, entre 3 a 10 horas semanais.
        Quanto às aulas de leitura do CLAC, alunos e monitores ou dizem que são adequadas ao conhecimento do aluno ou que são rápidas devido à falta de tempo. O tipo de texto preferido para o trabalho em sala de aula é o texto informativo.
        O gráfico 2 mostra qual a importância de se trabalhar com textos em sala de aula.

Gráfico 2: A importância dos textos em aula

        É possível perceber que tanto alunos como monitores/professores dão menos importância a concursos e empregos quando perguntados sobre a relevância de se trabalhar com textos em sala de aula. As aulas de leitura são consideradas importantes para aumentar a cultura, aprender sobre a língua, melhorar a formação e, em menor grau, tornar-se um leitor crítico.
        Alunos e monitores/professores, quando perguntados sobre o que lêem mais, dão preferência a jornais, textos de internet e textos didáticos. Porém, há diferenças entre alunos e monitores/professores quando se observam outros tipos de texto. O gráfico 3 mostra essas preferências.

Gráfico 3: Freqüências de leitura

        Como se pode ver, os alunos lêem mais textos de aventura e de auto-ajuda, enquanto os monitores passam mais tempo lendo contos, poesia e peças teatrais.
        Em relação ao histórico de leitura dos participantes, percebemos que os monitores se consideram melhores leitores, independentemente do tipo de texto lido. É interessante notar que os alunos afirmam terem tido mais estímulo para a leitura na escola do que os monitores. A origem desses alunos é uma questão bastante pertinente para investigações futuras, a fim de compreender melhor a diferença entre os dois grupos.

CONCLUSÃO E ENCAMINHAMENTOS

        A partir dos resultados obtidos, podemos concluir que os alunos consideram as aulas de leitura mais interessantes que seus monitores. Os monitores/professores parecem possuir uma visão crítico-reflexiva de seu trabalho, já que avaliam mais negativamente suas aulas.
        Ambos demonstram uma preocupação com as aulas de leitura. Alunos e monitores/ professores consideram as aulas de leitura tanto rápidas devido à falta de tempo quanto adequadas ao conhecimento dos alunos. A questão da falta de tempo parece refletir um discurso comum entre os monitores, que pode ter sido incorporado pelos alunos. É comum ouvir monitores/professores justificando a ausência do uso de textos em sala de aula pela falta de tempo. Essa falta de tempo é, muitas vezes, apenas um meio de eximir-se da culpa que o monitor/professor parece sentir por não trabalhar com textos.
        Alunos e monitores/professores estão mais preocupados em utilizar o aprendizado de língua estrangeira para melhorar sua formação do que simplesmente utilizá-lo para obter melhores empregos. Tal fato contradiz o senso comum de que o aprendizado de inglês é motivado pelo mercado de trabalho. Isso poderia refletir uma característica do Projeto CLAC, já que muitos alunos possuem vínculo com a universidade e, portanto, estariam mais voltados para o contexto acadêmico.
        Quanto à freqüência de leitura, notamos que textos didáticos, jornais e internet são os mais lidos. Em relação aos monitores/professores, os alunos lêem com mais freqüência aventuras e textos de auto-ajuda, enquanto os monitores/professores lêem mais poesias, contos e peças teatrais. Esses resultados refletem a influência da formação acadêmica desses monitores/professores. Isso não significa que os monitores/professores necessariamente prefiram esses tipos de texto, embora seja o que eles mais lêem.
        Embora os monitores/professores se considerem melhores leitores, a escola de onde os mesmos provêm não parece ter contribuído para isso, já que os alunos parecem ter recebido mais estímulo. Também é possível perceber que monitores/professores e alunos dedicam pouco tempo à leitura e preferem ler em sala de aula textos informativos.
        A partir dos resultados e das conclusões desta pesquisa, pensou-se em algumas formas de dar continuidade a este estudo, a fim de observar mais detalhadamente o perfil de leitura dos participantes do CLAC. Primeiramente, seria interessante refinar os resultados, comparando o perfil de alunos que possuem vínculo com a universidade com o perfil daqueles que não o possuem. Dessa forma, seria observado se os objetivos desses alunos são distintos. Uma outra opção seria comparar o perfil de leitura dos monitores/professores do CLAC com o de professores de cursos livres.
        Além dessas possibilidades, após replicar este estudo em cursos livres e escolas, seria interessante observar também como se dá, efetivamente, o ensino de leitura em língua estrangeira em tais contextos e no CLAC, por meio de grupos focais ou pesquisação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem que se ensine a estratégia de leitura em língua estrangeira nas escolas. Deste modo, ao realizar este estudo, haveria a possibilidade de constatar se esta proposta efetivamente ocorre e se, em cursos que oferecem o ensino das quatro habilidades, a leitura possui uma posição de destaque.

NOTAS

1. Vale lembrar que todos os monitores do CLAC são alunos de Letras da UFRJ.
2. Na época da coleta de dados, segundo semestre de 2003, as pesquisadoras eram também monitoras/ professoras do projeto CLAC.

REFERÊNCIAS

Freire, P. (1995). A importância do ato de ler. In: Abreu, M. (org.) Leituras no Brasil: antologia comemorativa pelo 10º Cole 29-46. Campinas, SP: Mercado de Letras.
Grabe, W. (2002). Dilemmas for the Development of Second Language Reading Abilities. In: Richards, J.C. ∓ Renandya (org.) Methodology in Language Teaching: An Anthology of Current Practice 276-286. NY: CUP.
Kleiman, A. B. (2002). Oficina de leitura: teoria e prática. 9ª ed. Campinas, SP: Pontes.

AS AUTORAS

Danielle Menezes é mestre pelo Programa Interdisciplinar em Lingüística Aplicada pela UFRJ e desenvolve pesquisa sobre o perfil de alunos-leitores universitários de Letras e de Ciências Exatas de instituições de natureza diferentes. Foi orientada pela Doutora Sonia Zyngier e faz parte do grupo de pesquisas REDES (Research for the Developments of Empirical Studies – damenezes@aol.com

Milena Mendes é mestranda do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada da UFRJ. Uma de suas áreas de interesse refere-se à relação entre ensino de literatura e prazer, bem como sobre aspectos relacionados à leitura. Atualmente, também se dedica a estudos que buscam observar de que forma a tecnologia, mais precisamente o computador, pode auxiliar no ensino. E-mail:milla@centroin.com.br